Obalúayé (“Rei Dono da Terra”) ou Omolu (“Filho do Senhor”) são os nomes geralmente dados a Sànpònná, deus da varíola e das doenças contagiosas, cujo nome é perigoso ser pronunciado. Melhor definindo, ele é aquele que pune os malfeitores e insolentes enviando-lhes a varíola.
O culto a Obaluaê, assim como o de Nanã Buruku, do qual trataremos no próximo capítulo, parece fazer parte de sistemas religiosos pré-Odùduà. Nem um nem outro consta da lista dos companheiros de Odùduà quando de sua chegada a Ifé, mas algumas lendas de Ifá dizem que Obaluaê estava já instalado em Òkè Itase antes da chegada de Orunmilá, que fazia parte daquele grupo.
A antiguidade dos cultos de Obaluaê e Nanã Buruku, freqüentemente confundidos em certas partes da África, é indicada por um detalhe do ritual dos sacrifícios de animais que lhe são feitos. Esse ritual é realizado sem o emprego de instrumentos de ferro, indicando que essas duas divindades faziam parte de uma civilização anterior a Idade do Ferro e à chegada de Ogum (que veio com Odùduà).
Algumas lendas falam de Obaluaê e Nanã Buruku contra Ogum. Os primeiros recusam-se a reconhecer a antiguidade do deus do ferro como sendo anterior à deles próprios e, em conseqüência, de servir-se do ferroem suas atividades.
Essa disputa entre divindades poderia ser interpretada como o choque de religiões pertencentes a civilizações diferentes, sucessivamente instaladas no mesmo lugar e datando de períodos respectivamente anteriores e posteriores à Idade do Ferro. Poderia também ser conseqüência da diferença de origem de povos vindos, uns do leste, com Odùduà, e outros do oeste, anteriores a esse acontecimento.
O lugar de origem de Obaluaê é incerto, mas há grandes possibilidades de que tenha sido em território tapá (ou nupê). Se essa não é sua origem, seria pelo menos um ponto de divisão de crença. Frobenius escrevia que lhe fora dito em Ibadan que Xapanã tinha sido, antigamente, rei dos tapas.
Uma outra lenda de Ifá confirma essa última suposição: “Obaluaê era originário de Empé (Tapá) e havia levado seus guerreiros em expedição aos quatro cantos da terra. Uma ferida feita por suas flechas tornava as pessoas cegas, surdas ou mancas. Obaluaê-Xapanã chegou assim no território mahi no norte do Daomé, batendo e dizimando seus inimigos, e pôs-se a massacrar e a destruir tudo o que encontrava à sua frente. Os mahis, porém, tendo consultado um babalaô, aprenderam como acalmar Xapanã com oferendas de pipocas. Assim, tranqüilizado pelas atenções recebidas, Xapanã mandou-os um palácio onde ele passaria a morar, não mais voltando ao país Empê. O Mahi prosperou e tudo se acalmou. Apesar dessa escolha, Xapanã continua a ser saudado como Kábíyèsí Olútápà Lempé (“Rei de Nupê em pais Empê”).
O culto de Sapata, a versão fon de Xapanã, teria seu lugar de difusão na região mahi, na aldeia chamada Pingini Vedji, perto de Dassa Zumê, porém trazido pelos nagôs. Essa tradição é confirmada em Savalu, também na região mahi, onde Sapata Agbosu do bairro Bla, chefe dos sapata da região, foi trazido, segundo dizem, ao templo de Ahsu Soha, o fundador, ou, mais exatamente, o conquistador do lugar que foi o ponto terminal de seu movimento migratório para o norte, migração empreendida para se afastar das regiões destruídas pelas campanhas dos reis de Abomey contra seu vizinhos do leste. Ahosu Soha, durante seu percurso, encontrou em Damê, no rio Weme, os kadjanu, nagôs originários da região do Egbadô, que se dirigiam também para o norte e se juntaram a ele para estabelecerem-se em Savalu com seu deus Agbsu.
As origens nagô-iorubás do vodum Sapata são atestadas pelo fato de que, durante sua iniciação, os futuros sapatasi, pessoas dedicadas a Sapata, são chamados ànàgonu (anago ou nagô) e que a língua usada no ritual de iniciação e nas orações é o ioruba primitivo, ainda falado diariamente pelos Aná.
Pesquisas feitas a respeito de Sapata-Ainon (“Dono da Terra”) entre os fon ajudam a compreender as relações de Sànpònná-Obalúayé, o “Rei Dono da Terra” para os iorubás, com Nanã Buruku, considerada sua mãe, no Brasil. Em Abomey, conta-se que Nàná Bùkùú ou Buruku) era mãe de um casal: Kohosu e sua mulher Nyohwe Ananu, que são os pais de todos os sapata, senhores de muitas doenças temíveis de que falamos em outro trabalho.
O culto de Sapata-Ainon, o Dono da Terra, conheceu em Abomey altos e baixos e tive disputas com a dinastia dos aladahonu, reis do Daomé. Estes usavam alguns dos títulos gloriosos de Sapata, tais como: Ainon (“Senhor da Terra”) ou Jehosu (“Rei das Pérolas”). Os Sapatanon, chefes desse culto, foram várias vezes expulsos do reino de Abomey.
Em Dassa Zumê, nos foi contada uma história sobre a origem de Sapata-Sànpònná:
“Um caçador Molusi (iniciado de Omolu) viu passar no mato um antílope (agbanlín). Tentou mata-lo, mas o animal levantou uma de suas patas dianteiras e anoiteceu em pleno dia. Pouco depois, a claridade voltou e o caçador viu-se na presença de um Aziza (Aroni em ioruba), que declarou ter intenção de dar-lhe um talismã poderoso para que ele colocasse sob um montículo de terra que deveria ser erguido defronte da sua casa. Deu-lhe também um apito, com o qual poderia chamá-lo em caso de necessidade. Sete dias depois, uma epidemia de varíola começou a assolar a região. O Molusi voltou à floresta e soprou o apito. Aziza apareceu e disse-lhe que aquilo que lhe dera era o poder de Sapata e que era preciso construir para ele um templo e todo mundo deveria, doravante, obedecer ao Molusi. Foi assim que Sapata instalou-se em Pingini Vedji”.
As proibições em relação à Sapata são o agbalín, a galinha-d’angola (sonu), um peixe chamado sosogulo, cujas espinhas são atravessadas, e o carneiro. As oferendas indicadas são os cabritos, galos, feijão e inhame.
Mas, voltando ao culto de Xapanã-Obaluaê, haveria, segundo Frobenius, dois Xapanã: o que já foi referido, de origem tapá, que ele chama deXànpònná-Airo, e o outro, que teria ido a Oyó, vindo do Daomé, que ele chama de Sànpònná-Boku, aproximando-o assim de Nanã Buruku; o quetestemunharia os laços existentes entre Obaluaê e Nanã Buruku.
Existe uma confusão muito grande a respeito de Sànpònná Obalúayé, Omolu e Molu, que se misturam em alguns lugares e, em outros, são deuses distintos. O que dificulta o problema vem do fato de que Nanã Buruku é igualmente confundida com eles. Para não tornar muito extenso este texto, damos em notas algumas dessas variações. De sua leitura conclui-se que: Ou assistimos na África a um sincretismo entre duas divindades vindas uma do leste, Sànpònná- Obalúayé (Nàná-Buruku), e outra do oeste, Omolu-Molu (Nàná-Brukung), que se juntaram e tomaram o caráter único de Kêto; ou então, tratar-se-ia de uma divindade única, trazida por migrações leste-oeste, como as dos Ga, que foram de Benim para região de Accra, durante o reino de Udagbede, no fim do século XII e levada depois para seu lugar de origem, com um novo nome que, no início, era apenas um epíteto.
De: Orixás de Pierre Verger