Nàná Buruku ou Nàná Bùkùkú ou Nàná Brukung é uma divindade muito antiga. A área que abrange o seu culto é muito vasta e parece estender-se de leste, além do Níger, pelo menos até a região tapa, a oeste, além do volta, nas regiões dos guang, ao nordeste dos asbantí.
No entanto, se o culto de Nanã Buruku confunde-se no leste com o de Xapanã Obaluaê-Omolu, dele se afasta completamente no oeste, onde seu nome se pronuncia Nàná Brukung ou simplesmente Brukung.
Parece que, segundo as informações publicadas em notas recolhidas em Oyó, Abeohutá, Kêto, Ifanhim, Saketê e Porto Novo, o Lugar de Procedência, nessas regiões, sejam Savê. No entanto, este é na realidade o local de disseminação desse culto e não seu lugar de origem.
Em Savê e nas regiões mais a oeste não houve essa confusão. Encontramos aí o culto de Nàná Bùkùú, mas também o de várias outras Nanãs, ali chamadas Nèné, uma das quais seria de origem bariba. Isso lembra que a antiga dinastia originária de um filho de Odùduà, fundador de Savê, mais tarde abandonou o trono (para voltar para Ipetumodu, Perto de Ifé) e deu lugar a uma nova dinastia vinda de território bariba.
Por outro lado, é preciso ressaltar que Nàná é um termo de deferência empregado na região de Ashanti para as pessoas idosas e respeitáveis e que esse mesmo termo significa “mãe” para os fon, os ewe e os guang da atual Gana.
Todas as pesquisas feitas a respeito de Nanã Buruku em Dassa Zumê, Abomey, Dumé, Tchetti, Bobé, Lugbá, Banté, Djagbala, Kpesi e Atakpamê indicam Siadé ou Schiari, na região do Adelê do atual Gana e perto da fronteira do Togo, como destino de peregrinação e não como lugar de origem.
É difícil saber, no estado atual das pesquisas, quais são os laços existentes entre todas as divindades cujo nome é precedido de Nàná ou Nèné. Elas são chamadas de Inie e parecem todas desempenhar um papel de deus supremo. Em todos esses templos há um assento sagrado salpicado de vermelho, em forma de trono ashanti, reservado à sacerdotisa de Inie, no qual só ela pode tocar. Todos os iniciados ligados ao templo têm grandes bengalas salpicadas de pó vermelho e, em torno do pescoço, usam cordinhas trançadas sustentando uma conta achatada de cor verde.
O ponto extremo a oeste, até onde nos foi possível fazer pesquisas, foi Atakpamê, no Togo, onde há um templo importante de Nanã Buruku. Ali vivem os aná, originários de Ifé que teriam deixado, talvez, antes da chegada de Odùduà. Os estudos realizados não chegaram a uma conclusão: se eles teriam habitado a região de Adetê, antes de se fixarem em Atakpamê, esboçando um movimento de retorno para o leste, ou então se os aná, segundo outra hipótese, teriam lutado entre si, por ocasião de sua chegada em Atakpamê. Um velho caçador os teria abandonado, indo refugiar-se em Odum (Odómi), perto de Schiari, sede da divindade Bùkùú ou Brukung. “Ela está lá” diz-se em Atakpamê, “dela, aqui, só há representações”.
De Atakpamê, como de Kpesi, Tchetti, Dassa Zumê, Savê, Abomey e, provavelmente, Abeokutá, as pessoas cosagradas a Nanã Buruku vão fazer peregrinação em Schiari, no Adélé.
Em Atakpamê forneceram-nos pormenores a respeito dessas peregrinações: “Realizam-se de três em três anos e é preciso fazer três peregrinações sucessivas. Depois disso, suas famílias, devendo abster- se de ter relações sexuais. Durante esse período, devem suportar certas provocações para demonstrar que são dignos de participar da viagem para o Adelê. A peregrinação é dirigida pelo Olíbùkùú, sacerdote da Bùkùú. As famílias acompanham os que partem até a aldeia de Olibissô, vizinha de Atakpamê, onde se despedem. É também ali que as famílias vêm esperar a volta dos peregrinos, três meses mais tarde. Eles partem munidos de grandes bastões, de cerca de dois metros de comprimento, e se um dos peregrinos morrer no caminho, o Olíbùkùú, ao voltar, devolve o bastão à família do finado sem nada dizer. Seu desaparecimento é considerado um castigo aplicado pela divindade, e não se pode realizar cerimônia alguma pelo repouso de sua alma. Ao voltar, cada peregrino deverá ser acompanhado por uma criança. Que desempenhará, em seu lugar, as atividades que lhe são proibidas até o fim de sua iniciação, por um período de seis anos e três meses, isto é, isto é, entre a partida da primeira peregrinação e a volta da terceira. Só algumas famílias têm o direito de participar do culto: od Koko Gberi, os Koko Sale, os Lema, os Lama, Os Modji que vivem em Atakpamê, Tchetti, Kpesi e Savalu”.
Sobre Schiari ou Schiadé, a menos que seja Siarê ou Siadê, temos informações datadas de 1896, quando o Tenente Conde Zeck, chefe do posto de Krete-Kratchi e futuro governador do Togo alemão, dirigiu um “comando” contra os habitntes de Schiari e deu a conhecer em seu relatório que “Siadê (ou Siarê) era antes a capital do país Atyuti (Adjuti) e a sede do ídolo Buruku, conhecido em regiões mais longínquas por causa de seu podr. Por essa razão, a região se chama também, em Tschi, Buruku obose,isto é, a região de Buruku. Para se ter uma idéia do poder que teria esse ídolo, é significativo que os reis do Dagomba, do Ashanti, de Gonya, de Tschautcho procurassem, sobretudo em períodos de guerras, obter a proteção do ídolo por meio de presentes e de embaixadas. O feiticeiro era o rei da região e opunha ao governo alemão uma resistência pacífica… Tive que marchar contra o chefe de Siadê. Ele se sentia em segurança na sua residência pelo fato de ser ela cercada, por todos os lados, de altas Montanhas difíceis de serem transpostas. Um só caminho era praticável para uma tropa importante: passava por Odomi, de onde o chefe podia ser prevenido a tempo a tempo, se uma ação fosse empreendida contra ele. Em 4 de outubro de 1896, conseguiu-se prende-lo através de uma incursão. Escolhi, partindo de Bismarckburg, outro itinerário que só era utilizado por comerciantes de borracha extraída nas florestas da região, passando por Digpelleu, Tshoye, Aibahomi e uma montanha extraordinariamente escarpada. Assim chegamos a Siadê, sem que o chefe tivesse sido prevenido de nossa vinda. Ele estava vestido com uma pele de leopardo, sentado em uma cadeira defronte da casa.Foi preso e amarrado. Em sua casa encontravam-se duas imagens de ídolos feitas em uma barra de ferro afiadas, arrematadas por um cabo em forma de pêra, em material desconhecido. Essas espécies de bengala eram fincadas no chão no momento dos sacrifícios, das festas, etc. Vários outros objetos e uma bengala de madeira comum em cuja extremidade superior foram conservado pequenos pedaços de galhos, tendo também um acabamento em forma de pêra, como nas imagens dos ídolos, porém cobertos de sangue e de penas de galos que são, com toda a certeza, vestígios de sacrifícios.
De um trabalho sobre o Adjati, datado de 1934, redigido por J.C. Guinness extraímos algumas informações sobre as origens de Brukung que, embora discutível, apresentam o interesse de terem sido recolhidas na região do Adélé, de um informante do Kotokoli, região vizinha. No trabalho citado, há a curiosa indicação de que na fronteira dos paises Haussa e Zaberima (Djerma) há um rio chamado Kwara (Níger) que deu seu nome a uma cidade situada às suas margens. Em uma gruta, no fundo do rio, vivia outrora um grande ídolo chamado Brukung e com ele viviam sua mulher, seu filho e um homem chamado Langa, que era o criado de Brukung. Viviam todos juntos na gruta. Na cidade de Kwara vivia um homem chamado Kondo, um homem bom que era conhecido, mesmo nos locais mais distantes, pelo nome de Kondo Kwara. Tinha o costume de todos os dias colocar oferendas de galos e de pito (beberagem) e algumas vezes um carneiro nas margens do rio Longo vinha pegá-los e os levava para a gruta debaixo dágua. Um dia, porém, um grupo de pescadores haussa veio da Nigéria para pescar no rio Kwara. Roubaram as oferendas e Kondo ficou tão contrariado que foi para Gbafolo, na região Kotokoli, e instalou-se com sua família em Dikpileu, a seis ou sete milhas dali. Brukung, por sua vez, foi viver em uma gruta na floresta próxima de Dikpileu. Kondo soube disso e recomeçou a colocar suas oferendas. Longa reapareceu também, trazendo assentos que fizera na gruta de Kwara. Mais tarde Kondo reencontrou Brukung. Porém, pouco tempo depois, uma invasão ashanti obrigou Brukung e os seus a refugiarem-se em Shiari.
É interessante constatar que uma lenda recolhida no extremo oeste da área de difusão do culto de Nanã Buruku faça alusão à outra situada no extremo leste dessa mesma área, falando de Kwara, que é o nome utilizado para designar o Estado, na Nigéria, onde vivem os tapa.
Deve-se ver nessa lenda uma transposição de antigos fatos históricos e alusões às migrações leste – oeste, de que falamos no capítulo precedente. Nele evocávamos a migração Ga que foi Benim para Accra, no reinado de Udagbede no fim do século XIII, com posterior retorno para o leste provocado pelas guerras do ashanti, Daryll Forde escreve a esse respeito que a região entre o Weme e o Mono foi ocupada por um refluxo de iorubás estabelecidos perto de Mono, especialmente nas proximidades de Kpesi. A fundação de Kpesi parece ter sido muito antiga, enquanto a das aldeias ao norte de Savalu, fundadas pelos emigrantes que voltavam para o oeste, data do fim do século XVIII, depois que desapareceu a pressão exercida pelos ashanti.
Em toda a região dos Itcha de Dassa Zumê e seguindo para o oeste, voltando à fonte que seria Schiari, encontra-se, nos templos de Nàná Brukung, o mesmo objeto enigmático descrito pelo Tenente Conde Zeck, esse cabo em forma de Pêra, feito com material não identificado, cujo simbolismo nos escapa. Lembremos que nas regiões do oeste esse culto é completamente diferente do de Sapata-Xapanã- Obaluaê-Omolu, enquanto no leste em nenhum templo encontra-se esse estranho cabo em forma de pêra e que o culto de Nàná Brukung, muitas vezes, é confundido com o de Xapanã-Obaluaê-Omolu. Somos, pois, levados a pensar que poderia haver duas divindades cujos nomes se assemelhassem e cujos cultos, porém diferissem sensivelmente. Uma dentre elas teria permanecido independente no oeste, enquanto a outra teria sido incorporada a um culto local.
De: Orixás de Pierre Verger